Entomofagia: insetos comendo uns aos outros no mangá de Osamu Tezuka

Existem insetos que se alimentam de outros insetos, muitos destes são grandes e chamativos, temidos até, como é o caso do louva-deus. Este inseto é conhecido pela agilidade em seus ataques, caçando presas desapercebidas com precisão. Os humanos têm muito mais em comum com esses insetos do que se pode pensar em um primeiro momento.

O Livro dos Insetos Humanos

Osamu Tezuka é conhecido por muitos como ‘deus do mangá’ por revolucionar a produção dos quadrinhos japoneses, criou Astro Boy, personagem extremamente popular até hoje, Metrópolis, Dororo, entre tantos outros títulos. Suas obras são diversas, explorando diversos gêneros e, mesmo que alguns discordem da famosa alcunha, todos concordam que este mangaká criou muitas obras de grande qualidade.  Uma curiosidade sobre o artista é o seu interesse por insetos, sobre os quais ele estudava desde muito jovem, catalogando e fazendo coleções.

Edição brasileira. Foto arquivo pessoal.

O Livro dos Insetos Humanos, publicado no Brasil pela Darkside, foi publicado originalmente na revista Play Comic entre 1970 e 1971. A edição brasileira chegou em 2022 com um projeto gráfico de respeito, a capa dura tem um contraste lindo entre os quadros do mangá em preto e branco e o título em vermelho. As folhas em off-set valorizam os desenhos, especialmente as artes que ocupam mais espaço, com muito preto. 

A história aborda temáticas como a independência feminina, relações tóxicas e sobrevivência e questiona até onde uma pessoa é capaz de ir para satisfazer seus desejos.

Toshiko Tomura é uma artista de sucesso, desde suas obras literárias, até seu trabalho como designer, tudo que ela toca tem sucesso e é reconhecido mundialmente. Sua capacidade de reinvenção, indo de uma área artística para outra com facilidade lhe confere o título de gênio e causa inveja nos seus concorrentes desde sua adolescência.  Enquanto Toshiko Tomura recebe um dos maiores prêmios da literatura pelo lançamento de seu livro, acompanhamos um contraste de situações ao ver, em outros quadros, uma jovem escritora cometendo suicídio. Esta pessoa acusa Tomura de ter plagiado seu livro, essa acusação é grave e ainda implica que alguém foi premiado pelo trabalho de outra, mas sem provas dessas declarações só resta o esquecimento para aqueles que se levantam contra ela. 

Enquanto acompanhamos essa história somos envolvidos pelo charme de Toshiko Tomura, uma mulher jovem, bonita, capaz de se transformar como uma borboleta com cores chamativas e encantadoras. 

O traço característico de Tezuka caminha entre construções iluminadas e sombrias, transitando pela atmosfera da história

Mesmo parecendo que todo mundo acredita em Toshiko Tomura e se encanta com seus feitos, existem algumas vozes dissonantes. O Kametaro Aokusa sente que há algo errado com ela e, ao investigar, descobre um rastro de pessoas devastadas que tiveram suas vidas destruídas após conhecerem Tomura. O leitor é levado a desconfiar de quase todos os personagens, quem está falando a verdade? Toshiko Tomura é um monstro? A história vai se desenrolar em algo sobrenatural? Ou, no fim, ela realmente é uma vítima de acusações por pessoas que invejam o sucesso de uma mulher poderosa?

Não vou compartilhar o desfecho da história, vocês devem ler para saber tudo o que acontece. Mas é uma obra significativa, com reflexões sobre a humanidade e, mesmo escrita na década de 1970, as representações na história refletem muito o que vivemos hoje, a competitividade excessiva, uns passando por cima dos outros, as críticas a quem alcança grandes feitos ou o endeusamento de personalidades. Além disso, podemos questionar até que ponto a sistemática de abusos da indústria do entretenimento é normalizada para que as pessoas possam alçar seus nomes à popularidade.

O Livro dos Insetos Humanos não apenas entretém, mas consegue expor intimidades e constranger o leitor sobre as consequências do desejo desenfreado por façanhas e reconhecimento. Ainda, a história não se mantém em uma narrativa apenas de vilões e mocinhos, mas fala sobre a dualidade do ser humano, que é capaz de sofrer e fazer outros sofrerem também.

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